Por André Garcia
Por muitos anos ofuscado pela Amazônia, o Cerrado passa por um intenso processo de perda de vegetação e hoje vive sua pior seca em pelo menos sete séculos. É o que mostra estudo liderado por pesquisadores brasileiros e publicado na revista Nature Communications, que destaca o aumento da temperatura e a queda na vazão dos rios na região.
A análise indica que o cenário não se justifica apenas por fatores naturais, sendo principalmente impulsionada pela pressão antropogênica, ou seja, o impacto causado ao meio ambiente pelas atividades humanas, identificadas ali a partir da década de 1970. Estes processos resultaram na aridez mais severa dos últimos 720 anos.
“Biomas como a savana tropical, onde a estação seca normalmente dura cinco meses ou mais, e que abrigam vastas áreas de cultivos, florestas nativas e cidades com grandes populações, estarão, portanto, em sério risco de secas futuras de longo prazo”, alerta o artigo, conduzido por Nicolas Misailidis Stríkis, professor do Instituto de Geociências da Universidade de São Paulo (USP).
Para chegar a essa conclusão, Stríkis e outros pesquisadores realizaram análises geoquímicas de estalagmites, formações minerais formadas a partir do gotejamento da água do teto, encontradas na caverna Lapa da Onça, no Parque Nacional Cavernas do Peruaçu, em Minas Gerais.
Os cientistas também cruzaram esses dados com registros de temperatura, precipitação, vazão e equilíbrio hidrológico da estação meteorológica de Januária, uma das mais antigas do estado. Para isso, consideraram a fórmula precipitação (P) e evapotranspiração (PET).
“De 1979 a 2016, o fluxo de rios locais diminuiu em 20% por década em termos de metros cúbicos por segundo. Durante o mesmo período de tempo, a precipitação local diminuiu 7% por década, enquanto o P-PET apresenta uma tendência decrescente de 18% (125 mm.década−1)”, diz trecho da publicação.
Como já mostramos, o relatório anual do Mapbiomas publicado neste mês indicou que, pela primeira, o Cerrado ultrapassou a Amazônia em área desmatada. Em 2023, 61% do desmatamento observado no Brasil ficou concentrado no segundo maior bioma do país, representando 68% de aumento em relação a 2022.
Agricultura
Ao relacionar o avanço da agropecuária com os resultados constatados, o estudo reforça que o setor é altamente dependente da disponibilidade de água e, geralmente, é o primeiro e mais fortemente afetado setor impactado pela seca, com importantes implicações para a segurança alimentar.
“Regiões dentro da Amazônia meridional e no centro-leste do Brasil são agora caracterizadas por uma seca hidrológica de longo prazo, que parece estar altamente correlacionada com mudanças na temperatura da superfície. O Brasil central desempenha um papel importante na economia do país, devido à sua agricultura intensiva, mas também abriga ecossistemas importantes.”
Diminuição dos riachos
Em geral, uma seca pode ser definida como um período com um déficit hidrológico, quando a evapotranspiração da água excede a entrada de precipitação efetiva. Esse tipo de seca também é comumente conhecido como “seca hidrológica” e seus efeitos são mais aparentes na redução do fluxo de riachos.
“Essas comparações sugerem que a tendência negativa observada no escoamento dos rios a partir da década de 1980 é parcialmente resultado do aumento da demanda de evapotranspiração com o aumento das temperaturas locais.”
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