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Descuido custa caro e pode valer mais que rebanho inteiro

Descuido custa caro e pode valer mais que rebanho inteiroMultas custam modernização das fazendas. Crédito: Reprodução ICV

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Por André Garcia

Cenários de instabilidade econômica e climática deixam margem cada vez menor para o descuido ou para a desatualização no campo. Técnicas que há poucos anos tinham efetividade, se utilizadas hoje, podem ameaçar orçamentos já apertados com multas que podem custar rebanhos inteiros. É o caso da queima para produção e renovação de pastagem, proibida  em muitos estados brasileiros nesta temporada de queimadas, caso do Mato Grosso do Sul.

Operações de fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) durante a atual temporada de incêndios florestais resultaram, em julho, em mais de 4,5 mil hectares embargados e em cerca de R$ 2 milhões em multas aplicadas somente no município de Corumbá (MS).

Isso garantiria a compra de aproximadamente mil bezerros, considerando o preço por cabeça no Estado, de R$ 2.043,79, segundo atualização do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea-ESALQ/Usp) desta segunda-feira, 2/9. O dinheiro também poderia ser destinado às práticas mais inteligentes nas propriedades.

“Com esse montante, o produtor poderia investir em tecnologias de manejo de pastagens que não dependem do fogo, tais como os principais sistemas integrados (ILP ou ILPF), que além de preservar o meio ambiente, aumentam a produtividade”, explicou ao Gigante 163 a mentora de liderança em fazendas, Iara Corrêa.

Pensando na melhoria da infraestrutura da fazenda, Iara destaca que os investimentos poderiam ter sido destinados a sistemas de irrigação, compra de sementes de alta qualidade, ou até mesmo em treinamentos e capacitações para os trabalhadores, resultando em uma gestão mais eficiente e sustentável a longo prazo.

Resultados também alcançados pelo uso de drones, que otimizam os processos com o monitoramento das culturas, o mapeamento da topografia, a aplicação de insumos e o controle de pragas, por exemplo. O preço dos aparelhos depende da tecnologia e da região, mas, em média, varia entre R$ 81.000 e R$ 233.000, conforme busca recente.

“O que falta é uma conscientização mais ampla sobre os impactos negativos do uso do fogo. Muitos produtores ainda não perceberam que, além das multas e embargos, o uso do fogo resulta na destruição do solo e na perda de biodiversidade, o que a longo prazo diminui a produtividade e o valor da terra”, acrescenta a mentora.

Para se ter ideia, temperaturas de até 700 graus podem esterilizar a camada superficial do solo, causando perdas de nutrientes quase irreparáveis. De acordo com projeção divulgada pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) no ano passado, uma eventual recuperação do solo nestas circunstâncias levaria pelo menos 40 anos.

O que diz a Lei

Embora seja importante em biomas como o Pantanal e o Cerrado, o uso do fogo deve obedecer a critérios impostos pela Lei dos Crimes Ambientais, que diz que provocar incêndio em mata ou floresta pode resultar em reclusão de dois a quatro anos, e multa. A destruição de vegetação natural sem autorização dos órgãos competentes ou feita dentro do período de proibição implica em multa que varia de R$ 5.000,00 a R$ 50.000,00 por hectare ou fração.

O equivalente a cerca de 140 campos de futebol já havia sido destruído pelos equipamentos, no Caso de Corumbá (MS) e foi embargado para possibilitar a regeneração da vegetação nativa. Foto: Nicélio Silva/Ibama

Da mesma forma, para o uso de fogo em áreas agropastoris sem autorização a multa é de R$ 1.000,00 por hectare ou fração, podendo aumentar pela metade mediante uso de fogo ou provocação de incêndio ou quando a destruída abrigar espécies ameaçadas de extinção. Vale lembrar ainda, que as penalidades podem impedir financiamentos.

À reportagem, o Ibama informou que os critérios para aplicação de multas não foram alterados pela Política Nacional de Manejo Integrado do Fogo (Lei Nº 14.944), sancionada em julho deste ano. A norma regula o uso do recurso no meio rural e determina sua substituição gradual por outras técnicas. Veja o que muda.

Mudança de hábito

No caso de Mato Grosso do Sul, um dos pecuaristas teve apreendidos tratores e um correntão utilizados para devastar uma área de mais de mil hectares, para produção de pasto. Já os outros dois, foram responsabilizados por um incêndio que atingiu mais de 2,4 mil hectares, para renovação de pastagem. A área, que acabou embargada, mostra que há produtores que ainda não entenderam o que está acontecendo.

Série histórica do total de focos ativos detectados pelo satélite de referência, no período de 1998 até 02/Set. Crédito: Inpe

As mudanças do clima e as transições de El Niño para La Niña adiantaram a seca e inviabilizaram ações como estas. Em todo o Brasil, os focos de calor cresceram 94% desde o ano passado, segundo o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Então, mesmo após o fim do período proibitivo do uso do fogo, é preciso repensar as estratégias.

“As práticas de manejo sustentável são não apenas uma exigência legal, mas também uma forma de assegurar a viabilidade econômica das propriedades. É necessário que haja mais acesso a informações e incentivos para que eles [produtores] possam adotar essas práticas de forma gradual e segura, sem comprometer a produção”, conclui Iara.

 

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