Por André Garcia
Seis gigantes da pecuária sujam a reputação do agronegócio em Mato Grosso e reforçam as denúncias que atrelam a destruição ambiental ao setor. Eles estão entre os 10 maiores criadores de gado do Brasil, lista da qual apenas um produtor não apresenta problemas ambientais e trabalhistas.
Com 29 fazendas no Estado, Vilela de Queiroz, Maggi e Scheffer, Rodrigues da Cunha, Marcos Molina, Édio Nogueira e Soares Penido são os nomes que figuram no levantamento inédito, publicado pela Repórter Brasil nesta semana. A pesquisa elenca uma série de crimes que incluem desmatamento, grilagem e trabalho escravo.
Considerando que a cadeia da devastação tem alto custo, fica difícil não associar sua liderança aos gigantes da pecuária, já que são eles os principais beneficiados pelos crimes contra a natureza. Lucro concentrado e que tem custado ao Estado o reconhecimento por práticas sustentáveis.
Traduzindo, a piora nos índices ambientais, alavancada pela ação deste grupo restrito, tem dificultado o avanço de grande parte dos pecuaristas que produzem seguindo a lei e de acordo com as boas práticas. Isso porque os dados acabam desenhando um cenário geral de negligência, o que tem impedido a captação de milhões de dólares em recursos estrangeiros pelo Estado.
Também são figuras como estas que endossam falas de ambientalistas contra o setor, que perde a oportunidade de mostrar ao mundo seriedade e responsabilidade. Assim, com a recusa dos grandes em dar bom exemplo em Mato Grosso, tem sobrado para a maioria, formada por pequenos e médios produtores, arcar com essa dura missão.
Quem são as famílias?
Vilela de Queiroz
Com uma propriedade no Estado, a família, originária de Barretos, no interior de São Paulo, é dona dos frigoríficos Minerva, um dos maiores do país. A primeira fazenda do grupo fundado em 1957, a Guaporé, fica em Vila Bela da Santíssima Trindade (MT), cidade com a maior proporção de gado por habitante (65 animais por pessoa) dentre aquelas com os maiores rebanhos do país.
Hoje, o conglomerado possui propriedades espalhadas por cinco estados: Tocantins, Goiás, Pará, Mato Grosso e Rondônia. Duas delas, as fazendas Corumbiara e Pimenta Bueno, tiveram episódios envolvendo trabalho degradante. Juntas, as propriedades da família somam R$ 7 milhões em multas ambientais.
Maggi Scheffer
Encabeçando a lista estadual com 14 fazendas, a família Maggi é mais conhecida pela produção de soja. Contudo os irmãos Eraí, Elusmar e Fernando Maggi , e o cunhado deles, José Maria Bortoli, também são grandes criadores de gado. O rebanho do Grupo Bom Futuro, que comandam, é estimado em 130 mil cabeças.
Eles são primos de Blairo Maggi, conhecido como “rei da soja”, que foi governador do Mato Grosso (2003-2010) e ministro da Agricultura do governo Temer (2016-2019).
Em 2008, 41 empregados foram resgatados de trabalho degradante em uma fazenda arrendada pelo grupo dos irmãos Scheffer. Em 2016, Elusmar e Eraí foram investigados pelo Ministério Público Federal (MPF) na Operação Rios Voadores, que desarticulou uma organização criminosa especializada no desmatamento ilegal e grilagem de terras no Pará.
Os investigadores apuraram transações comerciais entre os irmãos Elusmar e Eraí e o empresário Antônio José Junqueira Vilela Filho, que tem o recorde da maior multa aplicada pelo Ibama por crimes ambientais a um único indivíduo.
O grupo Bom Futuro, que hoje atua na agricultura, pecuária, piscicultura, energia, sementes e transportes, possui embargos ambientais, infrações trabalhistas e mais de R$ 800 mil em multas do Ibama. Além disso, o grupo já comprou gado de fazendeiros que queimaram o Pantanal em 2020.
Rodrigues da Cunha
A tradicional família de Uberaba (MG) mantém sete fazendas em Mato Grosso, dentre elas a Estrela do Aripuanã, que em 2012 foi multada em R$ 2,2 milhões pelo Ibama por desmatamento ilegal de uma área de 1,5 mil hectares. A propriedade esteve também entre focos de queimadas em 2018 e 2019.
Seu rebanho é composto por 102 mil cabeças de gado, distribuídas em nove fazendas. Herdeiro e um dos donos deste império, o fazendeiro Ronaldo Venceslau Rodrigues da Cunha doou R$ 151 mil para a campanha de 2022 de Jair Bolsonaro.
Marcos Molina
Marcos Molina tem três propriedades no Estado e é também dono da Marfrig, um dos três maiores frigoríficos do país. Ele foi citado em 2017 nas investigações da Operação Cui Bono, um desdobramento da Lava Jato que apurou esquema de corrupção envolvendo o desvio de dinheiro da Caixa Econômica Federal por políticos para o favorecimento de empresários.
Suas fazendas estão espalhadas também pelos estados da Bahia, Mato Grosso do Sul e somam 100 mil bovinos. Embora a Agropecuária Jacarezinho faça parte hoje de um projeto de produção sustentável de bezerros, as propriedades do grupo somam R$ 7,9 milhões em multas ambientais, além de um embargo por crime ambiental e nove infrações trabalhistas.
Édio Nogueira
Edio Nogueira já esteve entre os campeões de desmatamento na Amazônia. Suas três fazendas em Mato Grosso já tiveram quatro embargos ambientais, 15 infrações trabalhistas e 11 multas do Ibama, totalizando quase R$ 76 milhões.
Nogueira fornece carne para os três maiores frigoríficos do país (JBS, Marfrig e Minerva), apesar de as empresas terem assinado compromisso em 2009 de não adquirirem animais de desmatadores.
Família Soares Penido (Grupo Roncador)
Situada no município de Querência (MT), terceiro em desmatamento no Mato Grosso, a principal fazenda do grupo tem cerca de 100 mil hectares e um rebanho de 70 mil cabeças de gado. Foi fundada por Pelerson Soares Penido, criador do grupo Serveng, que deu origem à CCR, grupo que atua na concessão de rodovias.
Em 2004, uma ação do Ministério do Trabalho e Emprego resgatou 28 trabalhadores em situação de trabalho escravo, além de cinco adolescentes realizando atividades proibidas. A fazenda também já teve duas áreas embargadas por crimes ambientais. Atualmente, o Grupo Roncador, que inclui uma outra fazenda no Vale do Paraíba (SP) de pouco mais de 3 mil hectares, é controlado por Pelerson Penido Dalla Vecchia, neto do fundador.
Números gerais
A Repórter Brasil levantou um total de 67 fazendas distribuídas entre os 10 pecuaristas citados na pesquisa. Nove deles têm ao menos uma propriedade na Amazônia Legal, sobretudo no Pará, em Mato Grosso e Tocantins. De todos os registros, só cinco estão fora de estados que sobrepõem o bioma: sendo três em Goiás, um em Minas Gerais e um na Bahia.
Ainda considerando estes nove fazendeiros, juntos eles somam multas ambientais de R$ 639 milhões e são responsável por um total de 1.400 km2 de áreas embargadas por desmatamento ilegal. Além disso, 163 trabalhadores foram resgatados de trabalho escravo em suas propriedades nos últimos anos.
Por que a Amazônia?
Atualmente, os nove estados que compreendem a Amazônia Legal abrigam quase a metade (43%) de toda a população bovina do país. Dados indicam que 75% do desmatamento no bioma ocorre para a abertura de pasto, denotando um fenômeno antigo. Dos dez pecuaristas retratados no levantamento, muitos chegaram à região vindo do Sul e do Sudeste com incentivos do governo militar nas décadas de 1960 e 1970. A outra parte investe na região, seja para lucrar com gado ou com terra.
Outro lado
Procurada, a Agropecuária Vilela de Queiroz não respondeu à reportagem. Sobre os demais empresários mencionados, o grupo Jacarezinho disse que desconhece o valor de R$ 7,9 milhões em multas ambientais. A Agropecuária Rio da Areia afirmou que “não há nenhum real de multa [ambiental] consolidada até o momento e o Grupo Bom Futuro disse que não vai se pronunciar.
A Repórter Brasil não localizou a família Quagliato, a Agropecuária Rodrigues da Cunha, e a Nova Piratininga.
Fonte: Repórter Brasil
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