Um programa de ações coordenadas de pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico e transferência de tecnologias pretende mitigar os efeitos da seca na cultura da soja. Desenvolvido pela Embrapa, o programa de Tecnologias para o Enfrentamento da Seca na Soja (Tess) deve ser expandido por meio de parcerias a fim de responder ao problema que vem se agravando nos últimos anos.
A seca ocorrida nos estados do Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul, na safra 2021/2022, reduziu a produção de soja em 403 milhões de sacas, segundo estimativas da Embrapa Soja (PR), o que representou prejuízo da ordem de US$ 14,9 bilhões, considerando o preço médio, em maio de 2022, de US$ 36,79 por saca de 60 Kg.
“Com esses esforços coordenados, queremos gerar soluções agronômicas de impacto expressivo para a mitigação da seca na sojicultura brasileira e reduzir esses prejuízos”, declara Alexandre Nepomuceno, chefe-geral da Embrapa Soja.
Entre 43 milhões de hectares, menos de 10% são irrigados
Segundo estimativas da Embrapa, na safra 2022/2023, entre os 43 milhões de hectares de soja produzidos no Brasil, a grande maioria das áreas é conduzida em regime de sequeiro; somente 2 milhões de hectares são produzidos com irrigação, ou seja, menos de 10%. Nas áreas de produção, é frequente a ocorrência de períodos com pouca chuva, associada a altas temperaturas e intensa insolação.
“É consenso que a seca é o fator que causa os maiores prejuízos à soja brasileira, entre todos os fatores inerentes ao ambiente de produção. É um problema complexo, de ampla abrangência territorial e que tem longo histórico de severos danos causados à sojicultura nacional”, destaca Nepomuceno.
O líder do programa Tess, o pesquisador José Salvador Foloni, explica que a iniciativa pretende consolidar redes de pesquisa e desenvolvimento (P&D) e de transferência de tecnologias (TT) para ampliar o aporte de inovações e intensificar a adoção de estratégias agronômicas para reduzir os danos da seca nas lavouras. O pesquisador cita como exemplos aprimorar os modelos de Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc) e de distinção de ambientes para a indicação de cultivares e de tecnologias agronômicas mitigadoras do problema.
Os cientistas do Tess pretendem elevar os investimentos em edição gênica, fenotipagem e melhoramento genético para acelerar processos de obtenção de cultivares mais tolerantes à seca, assim como promover avanços nas práticas fitotécnicas e de posicionamento agronômico de bioinsumos para tornar as lavouras mais resilientes ao déficit hídrico.
“O programa pretende atuar de forma multidisciplinar, associando diferentes áreas do conhecimento para que haja avanços agronômicos significativos, de forma articulada para atender agricultores nas diferentes regiões sojícolas do Brasil”, informa Foloni.
O pesquisador conta que o Tess contempla ampla programação de transferência de tecnologia e estabelecimento de uma rede de parcerias da Embrapa em todo Brasil, para que o conhecimento já gerado e disponível seja compartilhado, de forma ágil e assertiva, para aqueles que precisam da informação qualificada para produzir soja.
Estratégias de manejo do solo
Entre as principais estratégias recomendadas para contornar o problema da seca está a diversificação de culturas e a adoção de práticas de manejo do solo. Essas práticas podem melhorar a construção de perfil do solo, aumentando o armazenamento de água disponível para as culturas, assim como o enraizamento em profundidade e o menor escorrimento superficial das enxurradas (erosão).
Edição gênica para tolerância à seca
Para acelerar os processos de obtenção de cultivares mais tolerantes à seca, a Embrapa Soja vem conduzindo pesquisas em biotecnologia com ênfase nas técnicas de edição gênica. Em março de 2023, a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio) considerou como convencional (não transgênica) a soja desenvolvida pela Embrapa para a tolerância à seca, a partir da técnica de edição gênica CRISPR (Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats, ou seja, Repetições Palindrômicas Curtas Agrupadas e Regularmente Interespaçadas).
Essa técnica possibilita a identificação de genes de interesse no DNA da própria soja e a edição desses genes para que possam expressar determinadas características agronômicas importantes para a cultura como a tolerância à seca. A metodologia CRISPR é considerada revolucionária por permitir a manipulação de genes com maior precisão, rapidez e menor custo.
Os pesquisadores da Embrapa utilizaram o conhecimento sobre a genética da soja envolvida nas respostas da leguminosa para desenvolver a planta editada com tolerância à seca.
“Com essa decisão da CTNBio, teremos condições, como empresa pública, de testar essa tecnologia no campo, e, caso obtenhamos sucesso, reduzir as perdas por falta de água na lavoura”, explica a pesquisadora Liliane Henning.
Zoneamento Agrícola de Risco Climático
Outro conjunto de tecnologias que tem se mostrado fundamental para o enfrentamento da seca na soja é o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (Zarc), cujo objetivo é reduzir os riscos relacionados à seca e permitir ao produtor identificar a melhor época para semear.
De acordo com o pesquisador José Renato Farias, o Zarc Soja define as áreas com maior ou menor probabilidade de ocorrência de déficit hídrico durante a fase mais crítica da cultura da soja (floração e enchimento de grãos), em função das diferentes épocas de semeadura, da disponibilidade hídrica de cada região, do consumo de água nos diferentes estádios de desenvolvimento da cultura, da capacidade de água disponível no solo e do ciclo da cultivar utilizada.
Desenvolvimento de cultivares
Faz parte do programa Tess o aprimoramento das recomendações técnicas para posicionar as cultivares de soja, no sentido de se obter sua máxima produtividade em ambientes de déficit hídrico. Os pesquisadores reforçam que é fundamental que os produtores adotem as práticas recomendadas quanto à época de semeadura, população de plantas e espaçamento entre linhas. A adoção dessas práticas tem por objetivo colaborar na expressão máxima do potencial genético dessas cultivares, quanto à maior resiliência perante os veranicos.
“A soja brasileira precisa de avanços expressivos de metodologias e instrumentos para tornar mais assertivas as estimativas de perdas de rendimento de grãos decorrentes de estresses abióticos como a seca”, enfatiza Foloni.
Para o pesquisador, a associação desse conjunto de tecnologias conseguirá auxiliar no processo de redução dos danos da seca que prejudicam a soja brasileira.
Fonte: Embrapa