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Brasil busca atingir autonomia tecnológica na produção de fertilizantes em 10 anos

Brasil busca atingir autonomia tecnológica na produção de fertilizantes em 10 anos

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Daniel Azevedo, especial para o Gigante 163

Quando os portugueses chegaram ao Brasil pela primeira vez em 1500, o escrivão Pero Vaz de Caminha descreveu o solo “brasileiro” ao Rei: “em se plantando tudo dá”. Estava certo, mas, se ele fosse agrônomo, acrescentaria algo parecido com “mas será preciso muito fertilizante”.

De fato, mais de 500 anos depois, nosso país é o maior importador mundial do insumo e consome 8% da produção mundial. Pior, nesta safra, os produtores rurais sofrem mais uma vez com um ciclo de altas nos preços destes insumos, que já representam mais de 40% dos custos de algumas das principais culturas, como soja, milho e algodão.

Para se ter ideia, o Brasil importa mais de 80% dos macronutrientes que consome – o trinômio NPK (Nitrogênio, Fósforo e Potássio) ­­­– em suas lavouras. De janeiro a setembro deste ano, a importação chegou a 85,2%, ou 28,2 milhões de toneladas de um total de 33,6 milhões, segundo a Anda (Associação Nacional para Difusão dos Adubos).

Esta dependência externa sempre foi assunto, mas agora voltou a ser prioridade governamental depois de 13 anos desde o último ciclo de altas no mercado global dos fertilizantes.

Em 2008, por exemplo, a formulação de fósforo super-triplo alcançou os US$ 1,1 mil por tonelada e, hoje, depois de quase uma década abaixo dos US$ 400, já passa dos US$ 600. O maior vilão desta vez é o potássio, que tem os maiores preços da história, a quase US$ 800 por tonelada (contra US$ 200 há um ano).

Pilares

Se a dependência das importações é um “calcanhar de Aquiles” para o agro nacional, o Governo Federal criou, no início deste ano, o Grupo de Trabalho Interministerial para desenvolver o Plano Nacional de Fertilizantes (GTI-PNF). A iniciativa partiu da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos, diretamente ligada à Presidência da República.

Pesquisador e ex-chefe geral da Embrapa Solos, José Carlos Polidoro compõe o GTI-PNF que entregou seu relatório final à autoridade máxima do país em 4 de novembro deste ano. A expectativa é que o Plano Nacional de Fertilizantes seja apresentado pelo Governo como política pública ainda neste ano.

Segundo ele, o documento prevê três pilares como principais estratégias. O primeiro focado em ciência, tecnologia, inovação e sustentabilidade ambiental; o segundo é a melhoria do ambiente de negócios e o terceiro visa elevar a competitividade do mercado nacional de NPK.

“O primeiro também inclui a imediata melhoria do uso dos fertilizantes nas lavouras por meio de boas práticas. Hoje, o desperdício está ao redor da metade para nitrogênio e 60% do fósforo e do potássio. Em algumas culturas, a perda vai a 80% ou 90%”, introduz.

Segundo Polidoro, o segundo pilar é melhorar o ambiente de negócios para fomentar novos empreendimentos por meio de incentivo a investimentos e também identificação de matéria prima disponível. Isso inclui conhecimento geológico, além de infraestrutura e logística.

“Já o terceiro pilar é aumentar a capacidade já instalada do parque tecnológico brasileiro, que tem plantas com técnicas de produção de mais de 40 anos, por meio de políticas de crédito e incentivo”, disse.

Autonomia

A carência do mercado nacional por fertilizantes não mobiliza apenas o Governo, mas o “custo-Brasil” e um longo período de preços mais baixos de fertilizantes atrasaram muitas iniciativas.

Ao menos 15 novos projetos da iniciativa privada estão parados ou operando aquém de sua capacidade prevista. Podemos citar Eurochem, Galvani, Mosaic, Potássio do Brasil, Mbac, Fosfertil, Anglo American, Bunge, Vale e Petrobrás entre em diferentes regiões do país para ampliação expressiva da produção de NPK.

Segundo o especialista da Embrapa, destravar estes projetos seria parte do caminho. A meta é a produção nacional chegar a 15 ou 20 milhões de toneladas até 2030, e em algo como 40 ou 50 milhões em 2040.

Em resumo, poderíamos suprir 70% do mercado interno com NPK e outras soluções tecnológicas e importar cerca de 30%.

“O Plano visa autonomia do país. Produzir 60 ou 70% do consumo de acordo com a oferta mundial. Isso é totalmente factível em médio ou longo prazo. Não precisamos de total autossuficiência. Nem seria positivo. Por que vamos consumir nossos recursos ao invés dos de Marrocos, Rússia ou Bielorussia?”, questiona.

Isso significa que o Brasil tem reservas destes minerais para suprir toda sua demanda? A resposta é sim e poderia ter até excedentes, mas o trinômio NPK a partir da mineração de jazidas naturais tampouco é a única solução ou alternativa.

Tecnologia e inovação

Um exemplo contundente no caso da agricultura brasileira é a fixação biológica de nitrogênio que, anualmente, “economiza” 8 milhões de toneladas do produto por processos biológicos nas próprias lavouras, especialmente de soja.

“A independência mais importante é a tecnológica por meio de uma instituição público-privada, o centro de excelência em fertilizantes do Brasil. As unidades de pesquisa da Embrapa e outros vão se juntar com a iniciativa privada para ter autonomia tecnológica em 10 anos”, prevê Polidoro.

De acordo com ele, o Brasil sabe produzir fertilizantes, mas, em alguns casos, o aproveitamento das minas é baixo. No caso dos fosfatados, cerca de 50% do minério extraído não chega a se tornar fertilizante.

“Desenvolver tecnologias próprias é o que precisamos para aumentar este aproveitamento. Mas temos outras soluções emergentes com enorme potencial, sem falar na exploração de outros tipos de rocha. Hoje, o setor de fertilizantes usa 10 tipos de rocha e existem milhares. Isso é para médio ou longo prazo”, compara.

A fixação de carbono no solo é outra forma emergente de se “poupar fertilizante”, e outras cadeias completam o conjunto de alternativas.

É o caso dos organominerais  a partir de resíduos da indústria, os bioinsumos como mobilizadores de fósforo e potássio e promotores de crescimento radiculares.

Além destas, inovações em nanotecnologia, fertirrigação com resíduos da pecuária, remineralizadores e a tecnologia da informação com inteligência artificial, robôs, drones e sensores para ganho de eficiência.

“O Brasil é o único país que tem todas estas cadeias para sair de um país que não está nem entre os 20 primeiros em tecnologia neste setor para ser um dos cinco mais avançados”, finaliza.