Por André Garcia
A escalada nas temperaturas e os consecutivos recordes de calor não deixam dúvida sobre o estrago que que o primeiro El Niño em sete anos pode deixar. A ameaça, maior para setores diretamente dependentes do clima, como o de energia e o agronegócio, também deve inaugurar novas dinâmicas entre as cadeias econômicas.
Isso porque setores como o da agropecuária, que já vem investindo em conservação, precisarão driblar quebras de safra, inflação no preço dos alimentos, estagnação econômica e alta nas taxas de juros do Banco Central, consequências previstas por diferentes especialistas, como os da gestora britânica Schroders.
Principalmente no Centro-Oeste, coração agrícola do Brasil, o desafio vai além da segurança alimentar, e diz respeito à própria existência da atividade. Foi o que explicou ao Gigante 163 o professor-doutor de Climatologia Rodrigo Marques, do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT).
Mas o que é o El Niño?
Em resumo, é o aquecimento das águas do Oceano Pacífico, que leva a anomalias climáticas em toda a região tropical do planeta.
De acordo com Rodrigo, isso tem uma influência maior na Amazônia, uma vez que inverte a circulação do ar sobre a região e inibe a formação de chuvas, refletindo nos índices pluviométricos de todo o País.
“O normal é que o ar quente e úmido suba, se esfrie e forme nuvens, resultando em chuva. Quando o El Niño atua, ocorre o inverso: um ar mais seco se aquece durante a descida. Assim, não se formam nuvens, portanto, não temos chuva.”
A situação piora em um contexto de devastação, já que, quanto maior a área desmatada, menos umidade no ar.
Como se preparar?
Do ponto de vista das lavouras, é preciso então investir na recuperação de nascentes e corpos d’água, armazenamento de água da chuva, recomposição e reflorestamento da vegetação original, ações que vão aumentar a disponibilidade hídrica nas propriedades.
“Em relação ao frio é necessário estruturas que permitam abrigar o gado ou que não os exponham a estas condições, pois uma característica deste novo normal climático é que teremos extremos de calor, mas também podemos ter extremos de frio”, explica.
Portanto, o avanço de propostas para um agronegócio ainda mais sustentável do que já é hoje, são fundamentais em um pacto global para frear o aquecimento do mundo, além de obrigatório para que a atividade mantenha sua relevância na matriz econômica.
“Mudar significa garantir a existência da atividade”, conclui Rodrigo.
Novo normal?
Rodrigo avalia que estratégias para reduzir danos devem se tornar permanentes, porque estes eventos se tornarão cada vez mais comuns, já sendo considerados pela comunidade científica e por várias autoridades como “o novo normal”.
Olhando para o passado, ele aponta que a adaptação é possível, visto que a humanidade já passou por outras mudanças climáticas ao longo da história. A questão é que nenhuma delas aconteceu tão rápido como tem se observado nos últimos 50 anos.
“Isso mostra que precisamos entender o novo ritmo climático e realizar ações que permitam que estas atividades tenham continuidade. É muito mais fácil parar de queimar e desmatar do que mudar a circulação atmosférica”, afirma.
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