Por André Garcia
Prejuízos causados por eventos climáticos extremos, como estiagens prolongadas e ondas de calor, impulsionaram o crescimento da agricultura irrigada no Brasil, que hoje conta com 2,2 milhões de hectares irrigados por pivôs centrais. O dado faz parte de levantamento da Embrapa que mostra uma expansão de quase 300 mil hectares, ou 14%, em relação à última análise, feita em 2022, pela Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) e pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
Embora a estratégia traga benefícios a curto prazo, especialistas apontam que intensificar a exploração de aquíferos deve piorar os resultados do setor, criando um cenário catastrófico. Isso porque, a mesma falta de chuva que afeta as lavouras também prejudica a recarga dos lençóis freáticos. E a situação tende a se agravar, uma vez que, segundo o Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), desde a década de 90, as secas no Brasil estão mais frequentes e intensas.
De acordo com o pesquisador Daniel Guimarães, da área de Agrometeorologia da Embrapa Milho e Sorgo (MG) e um dos autores do estudo as principais vantagens da irrigação estão relacionadas ao aumento da produtividade por área (entre duas e três vezes em relação aos cultivos não irrigados), à qualidade e estabilidade da produção, produção na entressafra, além da redução na pressão para expandir a fronteira agrícola.
Mas a desvantagem é justamente o grande consumo de água dos mananciais. Ele cita que a maioria dos aquíferos está em processo de depleção, o que significa que a recarga é menor que o volume retirado, como no caso do Aquífero Ogalalla, nos Estados Unidos, principal fonte de água do estado de Nebraska, onde está a maior área irrigada do país.
“O rebaixamento do nível de água dos aquíferos traz grandes desafios para a produção de alimentos no futuro associados à menor oferta de água em longo prazo, maiores custos de bombeamento, redução nas vazões das águas superficiais e tendência de salinização das águas subterrâneas”, alerta Guimarães.
Reposição de água
Em outubro deste ano, o Instituto de Geociências da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Rio Claro concluiu que a reposição de águas do Aquífero Guarani está abaixo do necessário para garantir a manutenção da quantidade disponível no reservatório, que se estende pelo Sul e Sudeste do País, além de Paraguai, Uruguai e Argentina. Resultado da superexploração do reservatório, a situação tem piorado com a mudança de distribuição das chuvas.
Em entrevista à Agência Brasil, o pesquisador Didier Gastmans, do Centro de Estudos Ambientais da Unesp Rio Claro, que acompanha o tema desde 2002, explicou que em grandes poços de exploração para indústria e agronegócio, o rebaixamento atinge médias de até 60 a 70 metros em dez anos.
Em alguns pontos, esse rebaixamento chega a até 100 metros, considerável até para as dimensões do Aquífero, que tem níveis com 450 metros de espessura do reservatório, chegando a até 1 quilômetro de profundidade.
“A água tem uma determinada profundidade no poço e vai baixando, o que demanda poços mais profundos e bombas mais potentes. Na porção oeste (de São Paulo) falamos de grandes produtores e sistemas para abastecimento público. Pequenos produtores já sentem esse impacto em algumas regiões próximas da área de afloramento”, esclareceu.
Na região do Matopiba, que engloba o Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, o risco da falta de água já nos próximos anos é iminente: entre 30% e 40% da demanda por irrigação de terras agricultáveis pode não ser atendida no período de 2025 a 2040 devido à superexploração dos recursos hídricos. A conclusão é de um estudo liderado por cientistas do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) que prevê aumento de até 40% de energia para irrigação, pressionando ainda mais o sistema.
Avanço da seca prejudica sustentabilidade da estratégia
Todos os pesquisadores apontam a relação entre a falta de chuva e a redução dos estoques de águas subterrâneas, preocupação que ganha força a cada nova atualização sobre a escassez no Brasil, que neste ano, registrou a seca mais duradoura e intensa de sua história recente. Os índices de chuvas abaixo da média histórica já duram pelo menos 12 meses em quase todas as regiões e a situação abrange cerca de 5 milhões de quilômetros quadrados, correspondendo a 59% do território nacional.
No caso do Aquífero Guarani, Gastmans diz que a chuva nas regiões de superfície é muito concentrada. Com isso, ocorre um escoamento maior e uma infiltração menor. Também há impacto do aumento da evaporação nas áreas de superfície, causado pelo aumento da média de temperatura nas regiões. Mais ao norte do Brasil, no Matopiba, já se observa a redução das vazões subterrâneas do aquífero Urucuia e dos corpos d’água superficiais da bacia do rio Grande, afluente do São Francisco.
Diante disso, os pesquisadores alertam que é preciso priorizar o uso eficiente da água para garantir a continuidade da produção agrícola e a preservação de reservas estratégicas.
“Se faz necessário pensar no planejamento futuro: sempre se fala em desenvolvimento, mas os gestores parecem ignorar que não existe desenvolvimento plenamente sustentável, pois todo desenvolvimento tem um impacto e essas pessoas precisam começar a se antecipar aos problemas”, pontuou Gastmans.
Cenário nacional
Segundo a Embrapa, mais de 70% dos equipamentos de irrigação estão no Cerrado, um dos biomas mais afetados pela seca este ano. Na região, o fenômeno resultou em um número recorde de queimadas que destruíram 9,6 milhões de hectares de vegetação, o que também levou a uma redução da evapotranspiração das plantas, diminuindo a quantidade de chuva. Neste caso, a água também não penetra o subsolo, uma vez que, sem a cobertura vegetal, chega com mais força ao solo e escorre superficialmente.
O levantamento mostra ainda que o Pantanal não registrou o uso de irrigação por pivôs centrais no atual levantamento. Além disso, mais de 70% dos equipamentos de irrigação do País usam águas oriundas das bacias hidrográficas do Rio Paraná (37,7%) e do Rio São Francisco (33,1%).
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