Por André Garcia
A pecuária brasileira vive um momento desafiador, marcado por uma sequência de fortes quedas nos preços de negociações do boi gordo. Tudo que o pecuarista não precisa de agora para frente é perder também produtividade, o que pode se tornar iminente em um cenário de calor extremo, potencializado pelo El Niño.
A situação pede estratégia, especialmente considerando o aumento da temperatura global, que pode ultrapassar a média de 1,5° entre 2023 e 2027. Mas este contexto, no qual a tendência é a redução de pastagem, a suscetibilidade do gado às doenças e queda da fertilidade, pode ser revertido a partir de uma prática simples e barata: a Integração Lavoura Pecuária Floresta (ILPF).
Recentemente, uma pesquisa da Embrapa mostrou os benefícios da presença das árvores nas pastagens, demonstrando que um pasto sombreado tem características nutritivas superiores a de um similar a pleno sol. Ou seja, apresentam um teor elevado de proteína bruta e componentes arbóreos que reforçam a alimentação.
Outra vantagem é a sombra das árvores, que, como já mostrado pelo Gigante 163, é uma das formas mais baratas para garantir o ganho de peso.
“Um animal em um ambiente sombreado, com maior conforto, vai pastejar melhor e ter menos perda de energia. Além do ganho na produção de carne, pesquisas comprovam ganhos em torno de 20% na produção leiteira com o manejo adequado das árvores”, diz o pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril de Sinop, Maurel Behling.
Ao contrário, em uma situação de redução na oferta de pastagem, o animal deixa de comer, de ganhar peso e se desenvolver. No caso do macho reprodutor, ele fica prostrado e perde a libido. Foi o que explicou à reportagem o gerente de relações institucionais da Associação dos Criadores de Mato Grosso (Acrimat), Nilton Mesquita.
“No caso das fêmeas, o cio é reduzido e as fêmeas que já estão prenhas também são prejudicadas pela dificuldade de alimentação. Com a formação da memória muscular tardia, entre o 4º e 7º mês, o bezerro vai apresentar mais dificuldade para ganhar peso. Ou seja, é um efeito cascata”, diz ele, que também é médico veterinário.
Hipertermia
Já a médica veterinária Ana Bezerra, da Associação Brasileira de Pecuária Orgânica (ABPO), explica que no calor o gado de leite passa a consumir uma quantidade maior de água para que aconteça a termorregulação corpórea. Apresenta assim mais sudorese e, com isso, perde líquidos e sais minerais fundamentais, o que resulta em baixa na produção.
“Os animais com quadro de hipertermia estão com a temperatura acima do normal. Eles vão apresentar respiração bem rápida, podem ficar com a boca aberta, por conta da salivação, já que estão tentando respirar rápido para fazer a temperatura voltar a uma condição normal. Eles também podem beber água em excesso.”
Um levantamento do Núcleo de Inteligência de Mercado da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA) estima redução de produtividade na margem líquida da atividade leiteira de até 20% em decorrência do fenômeno. A questão também afeta o gado de corte.
“Quando o ocorre a morte, normalmente é por conta da descompensação respiratória, mas ela já é o caso extremo. O que é mais comum e o que gera mais prejuízo é a baixa na produção. Estudos mostram diminuição de ganho de peso de 70 a 100 gramas por animal por dia, em uma condição extrema”, resume ela.
Resiliência financeira e planejamento
Os sistemas de integração também são menos sensíveis às variações de preços das commodities. Um trabalho da Embrapa, Rede ILPF e Instituto Mato-grossense de Economia Agropecuária (Imea), mostra que, mesmo nos piores cenários simulados, com queda de 15% no preço da soja ou da arroba do boi gordo, a estratégia permanece lucrativa.
Embora tenha benefícios comprovados, a ILPF ainda não corresponde nem a 8% de toda a pecuária brasileira, o que reforça a urgência de que o setor estruture visões de longo prazo, aprendendo a ter maior produtividade ao mesmo tempo em que em ajuda a frear as mudanças climáticas que podem sentenciar seus negócios.
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