HomePecuária

Baixo controle sobre cadeia da carne prejudica investimentos no setor

Baixo controle sobre cadeia da carne prejudica investimentos no setorTransparência garante que carne não esteja ligada a desmatamento. Foto: Agência Senado

Avanço do garimpo ilegal na Amazônia se dá pela omissão de instituições
Em 2022, MT devastou área na Amazônia maior que São Paulo
Dia da Amazônia: floresta preservada pode render lucros em trilhões

Por André Garcia

A transparência nas operações e a política socioambiental na pecuária têm se traduzido em crédito, bom relacionamento com investidores e aceitação das marcas no mundo. Mas Mato Grosso, maior produtor de gado do Brasil, ainda está longe dessa realidade. Com boa parte de seu rebanho criado na Amazônia Legal, o estado tem apenas três frigoríficos que podem garantir que a carne vendida não esteja ligada ao crime na região.

Segundo indicadores do Radar Verde, entre as 31 empresas situadas no bioma o melhor resultado é o da Marfrig Global Foods, que apresenta grau de controle intermediário sobre a cadeia, enquanto JBS/SA e Minerva se classificam com grau baixo. Ou seja, as outras 28 unidades podem estar comprando gado criado em áreas de desmatamento ilegal ou sobrepostas a terras indígenas e unidades de conservação, por exemplo.

Ao Gigante 163 a pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) e do Radar Verde, Camila Trigueiro, explicou que essa falta de transparência traz insegurança aos acionistas, investidores e consumidores em relação ao setor.

“Reportar iniciativas de preservação do meio ambiente ajuda a ganhar a confiança do mercado e melhorar a reputação da empresa. Os compradores tendem a dar prioridade a quem consegue demonstrar que a origem dos seus animais está de acordo com as exigências da legislação local e regulamentações dos países importadores”, afirma.

Neste contexto, as informações levantadas por iniciativas como a do Radar Verde, que é um indicador público e independente, subsidiam os financiadores e setor financeiro, responsáveis pela concessão de crédito a esses empreendimentos.

“Investidores querem saber quais frigoríficos conhecem os seus riscos, seus impactos e os mitigam operando sem causar prejuízos ao meio ambiente e à comunidade. As empresas precisam reportar ao público as suas iniciativas por meio de uma política socioambiental clara e bem consolidada.”

TAC da Carne

Ela lembra que houve um avanço no assunto a partir do estabelecimento de acordos públicos da pecuária, como o do Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) da Carne, conduzido pelo Ministério Público Federal (MPF). Para isso, elas divulgam iniciativas de monitoramento dos fornecedores diretos, aqueles que correspondem à última propriedade cujo gado passa antes de ser vendido aos frigoríficos.

 “No entanto, a parcela de fornecedores indiretos, que correspondem àqueles que vendem os animais ao fornecedor direto, ainda não é monitorada em sua totalidade. As iniciativas a respeito do monitoramento e controle dessa parcela indireta de fornecedores quase não são divulgadas”, destaca a pesquisadora ao elencar os gargalos que impedem o avanço da estratégia em Mato Grosso.

Foto: Marilei Aberte/Pixabay

Resultados

O levantamento do Radar Verde avaliou 132 frigoríficos registrados no Serviço de Inspeção Estadual (SIE) e de Serviço de Inspeção Federal (SIF) operando nos nove estados da Amazônia Legal em 2023. Para isso, foram adotados três indicadores: Grau de Controle da Cadeia, Grau de Exposição ao Risco de Desmatamento e Grau de Transparência Pública.

Em Mato Grosso, as empresas com grau de controle considerado muito baixo, ou seja, a pior nota do indicador, são: Vale Grande Indústria e Comércio de Alimentos S/A (Frialto), Abatedouro São Jorge, Agra Agroindustrial de Alimentos S/A, Alvorada, Bonanza, Carnes Boi Branco Ltda, Frical Frigorifico Ltda – Epp, Frigobom, Frigoestrela S/A, Frigolider, Frigonelore, Frigorífico 2R, Frigorífico Monte Verde Ltda (Nome atual: Grancarnes), Frigorífico Pantanal, Frigorífico Redentor S/A, Frigorífico Rio Bonito, Frigorífico Rondonópolis Ltda, Frigorífico RS Ltda Epp, Frigovale do Guaporé, Golden Imex Eireli (Bmg Food’s), Indústria Frigorífica Boa Carne Ltda, Matadouro Juba, Naturafrig Alimentos Ltda, New Beef Company, Nova Carne, Nutrifrigo Alimentos, Pantaneira Indústria e Comércio de Carnes e Deri e SF Indústria e Comércio de Carnes – Eireli.

Transparência e política ambiental

Camila conta que um bom exemplo de transparência vem da Austrália. No final da década de 90, a indústria da carne, pecuaristas e o governo australiano tiveram problemas com a carne enviada à Coreia do Sul, que estava contaminada com resíduos de agrotóxicos. A partir desse episódio, o sistema de rastreabilidade evoluiu até chegar ao controle amplo do rebanho.

Com isso, as indústrias e produtores passaram a ter melhor gestão dos animais, a reportar o monitoramento e a disponibilizar dados, reconquistando a confiança do mercado internacional. Mas, mesmo neste cenário, o desmatamento cresceu nos últimos cinco anos para dar lugar ao pasto no estado de Queensland, o que é atribuído a brechas na legislação ambiental do país.

“Se por um lado a Austrália se destaca pelo manejo do rebanho, a falta de políticas públicas fortes sobre o aspecto ambiental deu espaço ao avanço do desmatamento na região. Sobre esse exemplo de forças e fraquezas podemos fazer uma analogia com o Brasil, reforçando que a transparência tem que estar ligada a políticas públicas ambientais bem estruturadas para, enfim, frear o desmatamento”, conclui.

LEIA MAIS:

Maioria e frigoríficos na Amazônia não controla origem da carne

Baixa produtividade pecuária pode ser revertida com práticas para mitigação de GEE

CNA planeja usar reconhecimento facial para rastrear gado no país

Fornecimento indireto é gargalo para transparência na cadeia da carne

Soja e carne devem aumentar controle para atender UE

Consumidor quer carne sem desmatamento, diz pesquisa

Saiba os benefícios da rastreabilidade para o produtor

Rastreabilidade melhora gestão, alavanca tecnologia e agreva valor